Evidências genéticas

Por: João Ribeiro, Pedro Delerue, Helena Dornellas Cysneiros

Estudos genéticos realizados com DNA mitocondrial (mtDNA), transmissível unicamente de mãe para filhos, demonstram existir partilha de haplótipos entre as raças caninas portuguesas do continente. O Cão da Serra da Estrela, aquela que entre as raças portuguesas mais variabilidade genética apresenta, partilha haplótipos com o Cão da Serra de Aires (Barbara van Asch et al., 2005). O que seria de esperar, considerando a prática da transumância das terras altas da Serra da Estrela para as planícies alentejanas.

Os mesmos autores referem estar o haplogrupo A presente em todas as raças. Mesmo haplogrupos mais incomuns estão distribuídos por todas as raças e áreas continentais, tendo constatado que a distância genética entre raças não está correlacionada com a geografia. A partilha de haplótipos entre raças da mesma região é menor que a existente entre raças de diferentes regiões.

Ainda segundo Barbara van Asch (2005), quatro raças portuguesas estudadas, Castro Laboreiro, Serra da Estrela, Serra de Aires e Fila de S. Miguel,  apresentam grande diversidade de haplótipos pertencentes a diferentes haplogrupos, como também entre haplótipos dentro do mesmo haplogrupo, particularmente no haplogrupo A, que é prevalente nas raças portuguesas – frequência de 77%, quando comparada com os 68% observados nas raças europeias – o que é indicador de contributos de diferentes antepassados, em contraposição com a expansão de populações locais.

Essa constatação é um indicador no mesmo sentido do que vem sendo apontado. O Cão de Serra de Aires é um cão regional, que, como é crença, até pode ter recebido contributos de um casal de Pastor de Brie, também os tendo recebido do Cão da Serra da Estrela, durante mais tempo e de mais e diferentes progenitores, bem como do próprio Rafeiro do Alentejo, que com ele lado a lado convivia, mas poderá não ter existido a expansão que se propala, com epicentro num único local. O isolamento a que o votava o seu Alentejo preservou-o na sua identidade.

Estudos realizados mostram que as raças caninas apresentam forte diferenciação. Um estudo englobando nove raças portuguesas e cinco populações de cães periféricos com as quais existem afinidade regionais mostrou que, embora o nível de diferenciação racial detectado seja inferior ao de outras raças de cães, há, na maioria dos casos, uma correlação entre afiliação racial e estrutura molecular (A. E. Pires et al., 2009). Polimorfismos de Comprimento de Fragmento Amplificado (AFLPs) estão entre os marcadores mais informativos usados em estudos de genética populacional, oferecendo uma maior capacidade de discriminação estatística em análise de populações, particularmente em casos de fraca diferenciação.

Os dados combinados do estudo de A. E. Pires (2009) indicam que o Cão da Serra de Aires, como também o Cão de Castro Laboreiro, o Cão de Gado Transmontano, o Perdigueiro Português, o Cão de Água Português e o Cão de Fila de S. Miguel são raças com composições genotípicas mais específicas, que correspondem a distribuições geográficas distintas.

Igualmente, os resultados das análises efectuadas agrupam geneticamente as populações do Cão da Serra de Aires, Cão d’Água Português, Perdigueiro Português, Aidi e Sloughi, estas duas últimas raças do Norte de África. Análises subsequentes a este grupo, separam claramente o Castro Laboreiro das restantes raças. Exemplares desta raça apresentam exactamente o mesmo haplótipo de mtDNA, o que constitui um caso único no contexto das raças nacionais (Barbara van Asch, 2005).           

Como curiosidade, refira-se que no estudo de van Asch (2005) não foram detectadas evidências de diferenciação genética entre o Cão da Serra da Estrela e o Rafeiro Alentejano. Referências históricas suportam a sua estreita relação, afirmando o Cão da Serra da Estrela como antepassado do Rafeiro Alentejano. Com a grande homogeneidade genética entre o Cão da Serra da Estrela e o Rafeiro Alentejano, não é, pois, de estranhar que com eles o Cão da Serra de Aires partilhe marcadores genéticos, mais não seja, por via da prática da transumância e pela convivência no mesmo solar e acção conjunta na actividade pastorícia. Essa evidência é apontada por van Asch (2005) ao constatar que o Cão da Serra de Aires partilha três dos seus cinco haplotipos com o Cão da Serra da Estrela. Excluir a existência de cruzamentos entre o Cão da Serra de Aires e o Rafeiro do Alentejo não tem suporte no conhecimento actual da genética das duas raças alentejanas.

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