Uma adaptação regional. Evolução convergente

Por: João Ribeiro, Pedro Delerue, Helena Dornellas Cysneiros

É de aceitação consensual entre vários autores que o cão de pastor de pêlo comprido descende de um ancestral comum, o Ovcharka, um cão originário da Rússia Meridional. É igualmente aceite que a grande maioria dos cães pastores de pêlo comprido evoluíram em ambiente de montanha. A sua distribuição geográfica está circunscrita à Europa ocidental, sendo a Península Ibérica o seu limite mais meridional e tendo como máximo representante o Cão da Serra de Aires.

Naquela que parece ser mais uma peculiaridade do nosso Cão da Serra de Aires, o ambiente da sua evolução não foi em montanha, mas sim em região peneplana. O pêlo comprido e cápreo que o caracteriza poderá não ser uma adaptação ao frio próprio das regiões montanhosas de altitude mais elevada e das regiões intra-continentais mais setentrionais, mas ser, antes, uma adaptação a factores mais locais, ambientais e outros. A ausência de sub-pêlo, uma peculiaridade exclusiva que o distingue de outras raças de cães pastores de pêlo comprido, pode ser disso maior evidência. Por outro lado, pode igualmente ser indicador de uma evolução regional, convergente com outras, pêlo comprido, mas controlada por factores distintos.

Sob essa perspectiva, e aceitando a origem asiática do cão doméstico, é de admitir que cães de pêlo similar, no caso, comprido, áspero e seco, possam não ter o mesmo ancestral comum directo, antes constituir exemplos de evolução convergente. O pêlo comprido é uma característica que resulta de uma mutação genética, e pode aparecer em cães de pêlo curto.

Carla Cruz (2007), citando Helmer (1992), refere que as características de uma raça estão fixadas ao fim de trinta gerações, o que, nos cães, corresponde a um período de sessenta anos.

O conde de Castro Guimarães, por morte de seu pai, herda o Monte de Serra d’Aires em 1881. Em França, por esta altura, em 1889, começa a ser feita a caracterização e a separação do Pastor de Brie do Pastor de Beauceron, até aí duas raças indiferenciadas, mais ou menos homogéneas.

Piérre Mégnin, veterinário militar, grande obreiro da classificação das raças francesas de cão de pastor, descreve o Pastor de Beauceron como de “pelagem geralmente escura, com fogo na cabeça, nos pés, e muito provavelmente na face interna dos membros”. O Pastor de Brie, de pêlo longo, considerado por ele um cruzamento do Beauceron com o Barbet, “tem pelagem crespa, com madeixas cobrindo não só o corpo, mas também a cabeça, o focinho e a extremidade dos membros”.

A partir de 1893 começam a aparecer nas exposições caninas francesas as duas variedades, Beauce e Brie, mas que ainda estão longe das duas raças que conhecemos hoje. Só a partir de 1897, no seguimento do trabalho de Mégnin, e com a nomeação de uma comissão que teve por missão fixar as características destas duas raças, é que o Pastor de Brie assume a sua designação actual (Emmanuelle Francq, 2007).

Pastor de Brie, fim do século XIX (Luquet, 1987)

O conde de Castro de Guimarães torna-se proprietário do Monte da Serra d´Aires em 1881. Só oito anos mais tarde, em França, começam os trabalhos conducentes à individualização da raça francesa, pelo que, ao tempo, exemplares típicos não deveriam abundar.

Cerca de quarenta anos depois da fixação definitiva das características e nome da raça do Pastor de Brie, começam em Portugal os mais profícuos trabalhos de caracterização do Cão da Serra de Aires, década de quarenta do século XX, que, à data, e relembrando, existia em grande número e com características bem fixadas.

No desconhecimento da data de introdução do Pastor de Brie no Monte de Serra d’Aires, e na admissão que só poderá ter ocorrido após 1881, verosimilmente no final do século XIX, início do século XX, sendo necessários sessenta anos para fixar as características de uma raça canina, do que foi dito, pode questionar-se sobre a oportunidade e real contributo do Pastor de Brie no melhoramento do Cão da Serra de Aires.

Cão da Serra de Aires, 1950

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