Por: João Ribeiro, Pedro Delerue, Helena Dornellas Cysneiros
A bacia mediterrânica é desde há milénios a principal via de ligação entre os continentes Europeu, Africano e Asiático. Nas suas margens fundaram-se alguns dos maiores impérios que a humanidade conheceu e cresceram admiráveis e exuberantes civilizações.
Exércitos, mercadorias, minérios, animais, tudo era transportado pelas suas águas, numa imbricada rede comercial que ligava países do sul da Europa, do norte de África e do médio Oriente. Os romanos chamavam-lhe Mare Nostrum, tal a importância que lhe atribuíam.
Com tamanha profusão de interconexões, não é, pois, de admirar que, ainda hoje, se encontrem ao redor da sua bacia incontáveis elementos de existências partilhadas, que se estendem pelos domínios civilizacionais, sociais, etnográficos, culturais, morfológicos, genéticos, etc..
Nessa perspectiva, não será de estranhar, pelo contrário, é expectável que, tal como nos humanos, os animais, no caso, os cães ibéricos, partilhem código genético com cães do norte de África, podendo isso constituir factor de diferenciação das raças europeias similares, quer morfológica, quer comportamental e funcionalmente. Estudos realizados por E. A. Pires et al. (2009) demonstram que o grau de diferenciação genética entre raças ibéricas e raças de cães periféricas do Norte da África estão abaixo do observado em muitas outras populações de cães, o que pode indicar ancestrais comuns.
A ocupação muçulmana da Península Ibérica, iniciada em 711 d.c. só terminou em 1492, quando os muçulmanos foram definitivamente expulsos pelos Reis Católicos, Fernando e Isabel. Uma presença tão longa, de quase 800 anos, deixa marca indelével, ainda hoje presente, até na língua portuguesa, onde se admite que existam cerca de 700 palavras de origem árabe.
Embora apresente limitações noutros domínios, por só apresentar informação sobre a linhagem materna, a análise do DNA mitocondrial (mtDNA) é uma robusta ferramenta para identificar níveis de diversidade genética, estrutura filogenética e demografia recente de animais domésticos (A. E. Pires et al., 2006).
Das raças portuguesas estudadas, o Cão da Serra de Aires é uma das que apresenta menor diversidade genética e um dos maiores valores de diferenciação genética quando comparado com os cães vadios portugueses (os que apresentam maior diversidade genética). Algumas particularidades genéticas do Cão da Serra de Aires individualizam-no face à generalidade das restantes raças portuguesas, só ultrapassado pela exclusividade do Cão de Castro Laboreiro, provavelmente um caso único e nível mundial. Atendendo às suas características genéticas únicas, o Cão da Serra de Aires e o Cão de Castro Laboreiro, olhando apenas para o seu DNA mitocondrial, deveriam constituir prioridade de conservação (A. E. Pires et al., 2006).
Outros autores apontam, também, no sentido da diferenciação do Cão da Serra de Aires. Refira-se, pela sua relevância, a citação de Emmanuelle Francq ao trabalho de Correau (2006), que, baseado nas monografias de Gondrexon-Ives Browne (1974) et Vaissaire (1997), evidencia as ligações existentes entre as várias raças de cães de pastor.
Segundo ele, seis populações podem ser isoladas: i) cães do tipo molossóide, frequentes na europa central; ii) pastores escandinavos, bem diferenciados das raças de pastor e classificados no grupo dos spitz; iii) pastores britânicos, que formam uma população morfologicamente distinta dos pastores continentais; iv) pastores continentais europeus, os mais numerosos e os mais próximos entre as diferentes raças; v) pequenos cães pastores da europa central, que podem manter alguma relação de parentalidade com os cães de gado locais, de defesa, sendo, contudo mais provável a sua ligação às raças de pastor de outros países; vi) os pequenos cães de pastor dos pirenéus e ibéricos formam, segundo os autores, uma população isolada, embora sejam morfologicamente próximos das grandes raças ocidentais.
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